No post anterior eu discorro sobre os métodos naturais para indução do trabalho de parto. Quando estes falham ou não são possíveis/acessíveis de serem utilizados e há indicação da interrupção da gestação (no post anterior eu coloco estas indicações), pode-se indicar outros métodos para indução do parto, e entre eles estão os métodos farmacológicos.
Na escolha do método de indução é necessária a avaliação do colo do útero no dia da indução. O colo do útero sofre modificações consideráveis nas vésperas do trabalho de parto; uma estrutura que durante a gestação é longa, cartilaginosa, fechada, passa por processos metabólicos por ação de enzimas moduladas por prostaglandinas que a transforma em uma estrutura amolecida, fina e com algum grau de abertura dos seus orifícios interno e externo.
Veja o colo como é durante a gestação:
1 – corpo uterino
2 – colo uterino
Agora o que acontece com o colo quando o parto está próximo:
1- colo do útero afinado e entreaberto
2 – canal vaginal
E finalmente, o colo do útero durante o processo do trabalho de parto ativo:
1 – colo com dilatação avançada
Sabemos que para o parto acontecer é necessário que o colo do útero sofra estas modificações juntamente com o aumento gradual das contrações uterinas, mediado por ação principalmente da ocitocina, o que leva à descida fetal e dilatação progressiva do colo, até que a dilatação complete e o bebê termine a descida no canal vaginal, até o nascimento.
As modificações do colo do útero são mediadas por substâncias inflamatórias chamadas prostaglandinas, que são liberadas a partir das mudanças hormonais que acontecem no final da gestação, tanto pelo envelhecimento placentário quanto pela maturidade fetal. As prostaglandinas aumentam a ação das hialuronidases, degradando o tecido elástico e fibroso do colo do útero, tornando-o fino e amolecido.
Quando vamos iniciar a indução medicamentosa, avaliamos uma série de parâmetros, não só do colo do útero, mas também da altura da apresentação fetal (em que plano da bacia o bebê se encontra). Estes parâmetros são:
– posição do colo (se posterior, centrado ou anteriorizado),
– grau de esvaecimento, ou seja, o quão afinado o colo está
– dilatação, ou seja, o quanto o orifício do colo está aberto, medido em centímetros
– consistência, ou seja, se é um colo de consistência firme e elástica ou amolecido
– altura da apresentação fetal, ou seja, o plano da pelve que o bebê se encontra.
Baseado nestes parâmetros foi desenvolvido o Índice de Bishop. Dá-se uma nota para cada um destes parâmetros e se a somatória deles for maior ou igual a 6, podemos dizer que o colo está maduro, não sendo necessário usar prostaglandinas como método inicial de indução do parto, sendo indicado já o uso de ocitocina para o estímulo às contrações uterinas.
Métodos para maturação cervical:
Quando avaliamos uma paciente na internação com Índice de Bishop igual ou menor que 6, indicamos métodos de maturação cervical. Os mais utilizados são os análogos de prostaglandinas, principalmente o misoprostol e o dinoprostone.
- Misoprostol:
O misoprostol é um análogo de PGE1. Atua sobre a matriz extracelular, com dissolução das fibras colágenas, aumento do ácido hialurônico e aumento do conteúdo de água da cérvice. Além disso, relaxa o músculo liso da cérvice e facilita a dilatação, ao mesmo tempo em que permite o acréscimo do cálcio intracelular, promovendo contração uterina. Todos estes mecanismos permitem o progressivo esvaecimento e dilatação cervical, concomitante ao aumento da atividade uterina, o que garante na maior parte dos casos uma indução bem sucedida do trabalho de parto.
A utilização do misoprostol é fácil e simples, através de comprimidos que podem ser administrados por via oral, sublingual ou vaginal. A maioria dos protocolos utiliza 25 a 50 mcg a cada 4 a 6 horas, via vaginal, em regime hospitalar, permitindo uma monitorização fetal antes e durante todo o processo. Podem ser necessárias várias doses até o deflagrar do trabalho de parto, e algumas mulheres não respondem à medicação, o que se constitui “falha de indução”. Nestes casos, indica-se cesárea.
Os efeitos colaterais mais comuns do misoprostol são taquissistolia e/ou hipertonia uterina (3%), que é o excesso de contrações uterinas ou excesso de tônus uterino, o que pode gerar dor exacerbada com necessidade de métodos não-farmacológicos e farmacológicos de alívio de dor, além de alterações da frequência cardíaca fetal e maior taxa de eliminação de mecônio. Uma outra complicação preocupante com o uso do misoprostol é o aumento do risco de ruptura uterina em pacientes com cesárea anterior (de 0,5% sem indução para 5,6% com indução com misoprostol, o que desaconselha sua utilização nestes casos). Por isso explicamos que uma indução do parto pode gerar uma cascata de intervenções.
Além disso, febre, náuseas, vômitos e diarréia podem acontecer.
Apesar disso, consideramos o misoprostol seguro e utilizamos com muita frequência, pelo seu baixo custo, facilidade de armazenamento e administração e boa tolerância e resposta.
- Dinoprostone:
O dinoprostone é apresentado no mercado como uma fita liberadora de PGE2, chamada Propess. Esta fita deve ser inserida no fundo da vagina, atrás do colo do útero, onde a medicação é liberada, fazendo efeito por até 24 horas. É uma medicação mais cara, que necessita de refrigeração, e por isso menos utilizada. Também possui efeitos miometriais e pode levar a taquissistolia e hipertonia uterina, e por isso também é contra-indicada em pacientes com cesárea anterior.
Métodos para estimulação uterina
Depois de maturar o colo, podemos estimular as contrações uterinas, e o método mais utilizado é a ocitocina sintética. É administrada de forma endovenosa, é o famoso “sorinho” e infelizmente é usado rotineiramente em muitas maternidades, inclusive em mulheres que já estão em trabalho de parto ativo, como forma de “acelerar” o processo. Entretanto, seu uso indiscriminado também pode gerar uma cascata de intervenções e desfigurar o processo natural do parto.
A resposta à ocitocina sintética é melhor quanto mais avançada está a gestação, já que os receptores miometriais para ocitocina aumentam com a elevação dos níveis de estrogênio no final da gravidez. A dose deve ser baixa inicialmente e ir aumentando progressivamente conforme a necessidade e resposta de cada caso. Sua utilização com colo desfavorável está associada a percentual elevado de partos prolongados, de doses elevadas com o risco de intoxicação hídrica, de falhas e, consequentemente, aumento da incidência de cesáreas. Nesta situação, praticamente já é consenso que outros agentes, como o misoprostol, têm melhor efetividade.
Devemos nos lembrar que a ocitocina natural apresenta efeitos comportamentais relacionados ao vínculo afetivo da mãe e bebê; já a ocitocina sintética, por não atravessar a barreira hematoencefálica, não apresenta estes efeitos. Uma vez que administramos ocitocina sintética, a natural tende a diminuir e por isso pode haver prejuízos na vinculação afetiva dos partos induzidos com ocitocina.
Vale a pena induzir um parto ou é melhor ir direto para a cesárea?
Esta é uma pergunta muito comum e a resposta é: para a maioria dos casos, vale a pena a indução com tentativa do parto normal. Devemos nos lembrar dos riscos aumentados relacionados à cesárea, como maior mortalidade materna e neonatal e os benefícios do parto normal.
Dicas para as mulheres que vão precisar de uma indução medicamentosa:
- Procure saber os métodos que serão utilizados, como agem, quais são seus possíveis efeitos terapêuticos e adversos.
- Discuta com o profissional que te assiste qual é o tempo ou a dose limite de medicação para se decretar “falha de indução”.
- Saiba que indução demora e você pode ficar vários dias no hospital até entrar em trabalho de parto.
- Tenha um plano de atividades para fazer durante este período, para que você ocupe sua mente e corpo e diminua a ansiedade.
- Desmistifique a frase “parto induzido dói mais”. Uma indução calma, bem conduzida, pode te levar a um processo muito parecido com um parto espontâneo.